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Cadê você?



“Então deixa cantar, deixa tocar Deixe a vida buscar Que é só uma que sobra E sempre vai olhar pra trás Sem remorsos, teu cegueta Te enxerga de volta”

- Rodrigo Novo (2020)


Narciso era, segundo a mitologia grega, um belíssimo rapaz. Na verdade, o mais belo entre os humanos. No entanto, carregava consigo uma maldição rogada pelos deuses: ele jamais, em nenhuma circunstância poderia ver sua imagem refletida, onde quer que seja. Paralelo a isso, existia uma ninfa chamada Eco, que um dia, após mentir para a deusa Hera, foi também amaldiçoada, sendo desde então fadada a nunca mais proferir nenhuma palavra por vontade própria; apenas repetiria a ultima palavra que lhe dissessem. Certo dia, Narciso passeava pelo bosque, e a ninfa que estava ali perto, logo que o viu, se apaixonou perdidamente. Porém, inibida pelas condições de sua fala, ficou apenas a observar o jovem à certa distância, distância suficiente para que ele percebesse sua presença. “Quem está aí?” Perguntou ele, e ela respondeu “aí, aí, aí...” Apareça agora mesmo!”, e a resposta, “mesmo, mesmo, mesmo, mesmo...”. Esse diálogo, porém, não se estendeu muito, como podem imaginar. No entanto, Eco ficou com tanta vergonha de sua condição diante do rapaz, que fugiu para as florestas e nunca mais foi vista. Alguns dizem que ela se jogou de um penhasco, outros, que ela ainda se abriga nas cavernas, mas o fato é que ainda podemos escutar suas respostas quando estamos nesses lugares.


Esse pequeno conto traz, através de sua tragédia, uma importante reflexão. Que lugar ocupamos nas nossas relações? E acredite, para muitas pessoas não é nada fácil responder essa pergunta. Isso, por que elas provavelmente tem muita dificuldade de se enxergarem nas relações.


Uma característica desse perfil de pessoa é ela ser do tipo que se desdobra para ajudar todo mundo, mas nunca pensa nas eventuais consequências que isso pode lhe trazer. É muito comum essas pessoas serem muito queridas, mas muito endividadas, sempre com problemas de saúde e sem tempo para cuidar de si. É a pessoa do “tanto faz”, quando lhe é oferecido algumas opções para escolher. Aquela pessoa do “se você for eu vou” e do “se você quiser eu quero”. A falta de visão de si mesmo na relação com o mundo faz com que ela sofra muitas vezes e se sinta culpada por isso, pois seu sofrimento não seria digno de relevância, já que tem tanta gente sofrendo coisas muito piores no mundo.


Veja bem, que o problema aqui não é o altruísmo, pois isso pode ser uma qualidade muito boa e muito nobre. O problema aqui é a pessoa não conseguir se enxergar no mundo, a ponto de colocar tudo e qualquer coisa num lugar de prioridade que na verdade sempre lhe pertenceu. E quando abrimos mão desse precioso lugar, o adoecimento bate à porta num ponto de enfrentamento em que estamos muito fragilizados. Abrindo mão desse protagonismo, nos tornamos Eco de tudo o que está a nossa volta.


Naturalmente, as coisas não precisam ser assim e sempre podemos voltar a ser o centro de nossas vidas, lugar merecido, pois, na verdade, se não estamos no centro dela, tudo em volta desmorona, e o que resta é um inútil esforço, normalmente despendido, para segurar as coisas. Então, procure mais em sua beleza narcísica um equilíbrio para que possa contemplar aquilo que você tem de mais belo, e ajudar as pessoas com aquilo você tem de melhor: você mesmo. Mas para isso é preciso aprender olhar para si, encarar suas qualidades e defeitos, coisas que nem sempre são legais de se ver, mas que sem enxergá-las, nos tornamos apenas uma repetição do que está à nossa volta; apenas uma criatura oca, esperando que alguém preencha um mundo vazio e desprovido de volição.



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​© 2016 por Davidson Rodrigues 



 

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