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A Linguagem dos Afetos


“Distorção e pouco mais que rima

Prometi um mundo que eu sei cantar

Se do verso você fez silêncio

De um bilhete você fez o temporal”

- Luciano Albo (2001)

A tecnologia tem hoje, como ponto central, o aprimoramento da comunicação. Cada vez mais rápidos e interativos, os meios de comunicação oferecem diversas plataformas para viabilizar a transmissão da informação através de uma linguagem cada vez mais prática. O filósofo Jean-Jacques Rousseau diz que a linguagem foi desenvolvida no início dos tempos, como uma forma do homem comunicar seus afetos; se tinha medo, emitia sons que o demonstrava, e tentava com isso se defender da ameaça; se tinha fome, emitia sons para indicar sua necessidade de comer; raiva, sons e gestos indicando sua insatisfação, e assim por diante. Com o passar dos tempos, o homem aprimorou sua habilidade em se comunicar. Com o treino da língua, ele passou a se expressar de forma cada vez mais clara e inteligível através da fala e dos gestos. Há os que dizem que um gesto vale mais que mil palavras. É algo que aqui, podemos considerar no sentido literal. Voz e gestos, segundo o filósofo, são expressões únicas das emoções que carregamos e tentamos transmitir. A entonação da voz, o ritmo, a acentuação, a pronúncia, o timbre, tudo isso enriquece o que há de ser dito. Junto aos gestos, que por sua vez conseguem dizer e demonstrar o que nos falta nas palavras, esse conjunto seria o ideal para uma comunicação compreensível, clara, e a formação de um diálogo mais próximo da natureza humana, numa troca de afetos mais expressiva e articulada.


Então, o homem criou a escrita.


A intenção da escrita é que, através de desenhos e símbolos, seja realizada a mesma tarefa dada à fala e aos gestos: expressar os sentimentos, porém, de forma bem menos expressiva. Quando lemos, lemos no nosso próprio ritmo, entonação e acentuação, o que faz com que algumas características dos afetos a princípio expressos, sejam perdidos no caminho percorrido entre os dedos de quem escreve e os olhos de quem lê. Quem lê um oi! numa mensagem nunca vai saber, por exemplo, o nível de empolgação da pessoa que o escreveu. Por mais que a pessoa “floreie” esse oi! com sinais gráficos, pontuações e até emojis, nada é tão expressivo do que escutar a pessoa dizer esse oi, com aquele típico aceno com a mão. Claro, é apenas um exemplo. Mas talvez possamos imaginar a proporção que isso toma, quando percebemos que a maior parte de nossos diálogos diários acontece por mensagem de texto e imagens. Conseguiria imaginar como seria enriquecedor para as relações poder realmente falar com as pessoas que conversa por mensagem? Ou ainda, imaginar como empobrecemos nossas relações utilizando diálogos muitas vezes mal entendidos e deturpados por conta justamente da forma como lemos, algo que pode se alterar de acordo com o nosso estado emocional, expectativa ou humor, inclusive. O fato é que existem coisas que não conseguimos expressar com a escrita, e nesses casos, nada melhor que aquela velha forma de comunicação: a fala.


Não quero parecer utópico ou moralista, achando que não devemos nos comunicar por mensagens, textos, carinhas de emojis e imagens. Podemos, e devemos. Mas talvez seja importante se pensar em não deixar todos os diálogos somente nesses aspectos. Há quanto tempo você não conversa com aquela pessoa que te manda mensagens todos ou dias? Uma ligação às vezes já basta; se encontrar pessoalmente, melhor ainda. Terceirizar nossos afetos através de máquinas pode criar barreiras, aumentar distâncias, e promover mal entendidos que podem se tornar sérios conflitos. Então, aproveite para aquecer suas relações, tornando-se mais presente e expressando-se de forma mais enriquecida e harmoniosa, compreendendo e sendo compreendido naquilo que deseja comunicar.


E deixe as mensagens pra depois.



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​© 2016 por Davidson Rodrigues 



 

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